Brincadeira
A brincadeira consistia em dar nome a atos e sensações como se fossem coisas, sempre na tentativa de superar o outro em sagacidade, provocar reações e instigar palavras mais adequadas, para não dizer, sedutoras.
Assim, um abraço nunca era apenas um enlaçar de braços, um encostar de corpos, mas um ato que se comprometia com o assunto que estavam trocando. Quando falavam de viagens, por exemplo, o abraço vinha assinado como “turístico” e na palavra passeavam todos os caminhos que aqueles abraços queriam percorrer e todas as culturas que podiam conhecer: abraços marroquinos, indianos, belorizontinos, parisienses. Abraços no Arrebol.Abraços internacionais. Abraços tridimensionais.
Os beijos então, não eram simplesmente lábios tocando outros lábios, mas tinham sabor, cor, textura, cheiros, espessuras e eram suculentos em significados. E haviam os cheiros.
Ah, os cheiros! Podiam ser sentidos como se fossem tatuagem: Cheiro de orvalho, cheiro de escuro, cheiro de prazer, cheiro de amêndoa, de terra molhada, de Cio. De sexo. Do seu sexo.
O assunto poderia ser qualquer um, de levar a roupa a lavanderia, de tomar banho no rio, De descobrir erros de código, como a necessidade de fazer a feira e lá vinha o beijo assinado no frescor de uma alface ou na eroticidade vermelha dos morangos e na suculência de uma manga.
Neste quesito em especial o tempo era o passatempo preferido. Um beijo molhado era um beijo com chuva. O encontro das línguas era a sede e a tormenta do desejo; iluminado, era o beijo com sol. O selinho, era tempo nublado – talvez identificando alguma rusga que nunca os consumia o suficiente para deixar que os beijos perdessem seus sabores, cada dia e cada vez mais concentrados – como os sucos.
Esse era um jogo deles que não tinha regras definidas e sequer perseguia um vencedor.
Como se vê era uma brincadeira de aprisionar os atos em sensações descritíveis mas nem sempre decifráveis para quem tentasse entender o que se passava com eles sem conhecê-los direito. Eles brincavam sempre como se tivessem pequenos dicionários amorosos a lhes ditar palavras que pudessem alcançar o outro em essência e dimensão.
Até o dia em que cansaram de jogar “conversa dentro” e foram tratar de viver o que tinham falado e metaforizado. Elas, as palavras, pareciam ser menos necessárias então, e foram sendo consumidas uma a uma, transformando-se em olhares intensos, noites silenciosas, passeios pelo luar e alguns dias atentos.
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Vida longa e próspera!