Uma vez mais...
Olhar como se nunca tivesse visto, nunca tivesse tocado, seque tivesse ouvido o som daquela voz. Observar o jeito de longe, como se fossem estranhos, como se nunca tivessem chegado tão perto. Olhar de perto com a curiosidade de quem se aproxima por acaso, antes mesmo de saber quem é.
Deixar que ele diga olá, tudo bem?, que conte seu nome, que faça charme pra dizer à que veio, nem que diga água e peça logo um café, antes mesmo de engatar qualquer assunto.
Descobrir coisas simples, ditas sem importância, mas com aquela urgência dos começos, como a cor e a comida favoritas, o signo, a receita de miojo, o chá milagroso pra gripe, a melhor marca de sorvete, com ou sem picles o seu sanduíche? O melhor sabor, qual é? Sugerir desejos antigos como se nunca ouvira falar deles, escutar do cotidiano como se a rotina nunca o tivesse visitado. Em que rua costuma passar, que horários, quando esticam o dia entrando pela noite. Em que lua?
Falar daquele livro como se não tivessem trocado idéias entre mantas de inverno e chocolate quente. Marcar capítulos, sugerir autores, leituras similares, estilos diferentes. Brincar de sinônimo, recitar dicionários, falar na língua do pê. Entender-se com o olhar. Buscar histórias de criança, como era bom ter quintais, calçada convidando bola, banhos de cachoeira, álbuns de figurinha. Como foi cruel adolescer colecionando espinhas, calças rasgadas, ouvidos abafando atritos com rock and roll e seus milhões de decibéis. Qual a gíria?
Contar dos afetos, das paixões vividas, das madrugadas doídas, das risadas mais francas. Reescrever a própria história em cartas e bilhetes. Palavras novas com expressões batidas. Mandar poemas.Recitar Clarice, Manoel de Barros. Sebos, Baudelaire sem tradução. Olhos novos para palavras conhecidas. Sussurrar Hilda Hilst. Rabiscar guardanapos. Reciclar papéis. Marcar encontros com cartões de flores. Quais flores?
Escutar uma playlist nova para comemorar um velho encontro. Velhas músicas para ouvidos renovados, novos acordes para velhos arranjos. Dar-se os braços e entre abraços, dançar a valsinha do Chico. Notas diferentes para os mesmos amantes. Outros, agora. Sem dó.
Assistir aquele filme como se já não tivesse visto juntos. Perguntar que pipoca ele quer, que jujuba ele mais gosta, se as escolhe pela cor, mesmo que agora nem um nem outro se importe porque são os dois ali, que contam, personagens renascidos ensaiando os melhores ângulos, sem direção ou roteiro. Substituir o The End por Once and Again e legendar a última cena:
Receita de felicidade: Uma paixão, uma vez por ano, 6 vezes ao dia. Pode ser com a pessoa de sempre, mas verifique a data de validade no verso da alma.


Comentários
Postar um comentário
Vida longa e próspera!